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SER ARTISTA
Entrevista por Claudia Tavares e Monica Mansur - Editora Binóculo (2013)

Interview by Claudia Tavares and Monica Mansur - Binóculo Publisher (2013)

1. É certo que nem autodenominação nem um diploma de curso superior determinam o artista, visual ou outros. Até recentemente, a formação específica na área de artes visuais não era muito valorizada, ou mesmo exigida. Os artistas, ainda freqüentando cursos livres alternativos, começavam a expor coletivamente, passavam a inscrever obras em salões de arte pelo Brasil a fora e acabavam, um dia, se auto intitulando “ARTISTA”. De quebra, algum tempo fora do Brasil, estudando ou trabalhando na área, expondo trabalhos em obscuros espaços estrangeiros, engordavam os currículos e catapultavam os candidatos a um patamar acima da maioria. De uns anos para cá, a oferta de especialização formal cresceu, programas oficiais nas pós graduações de universidades importantes ganharam ótimos e estrelados corpos docentes, passamos a colocar a formação e desenvolvimento do pensamento artístico como fundamentos importantes na carreira artística, e a titulação deixou de ser oficiosa e passou a ser oficial. Na prática, qual foi a sua experiência? O que isto representa no seu “ser artista”? Olhando para os dois lados da moeda – como receptor (de informações) e como preceptor.

MB: Estudei artes visuais no Parque Lage (Gravura, desenho, fotografia, etc.) no final da década de setenta, época da ditadura militar. Sou formado em Letras, Pós-graduado em Arte Cultura e Mestre em Ciência da Arte (UFF). Fui à universidade e ainda a frequento, em busca de conhecimento, não de títulos. No Parque Lage, experimentei uma verdadeira escola de arte até ir para Nova York em 1981 e lá viver por quase dez anos. Esse tempo de estudante no Parque Lage foi muito rico de experiências e fundamental na minha formação. Foi lá q eu descobri que queria trabalhar com imagens. Eu passava quase o dia inteiro no Parque Lage, chegava pela manhã e saía ao anoitecer. Nesse tempo, morava com a minha família no Humaitá e ia todos os dias motivado para escola, por incrível que isso pareça. O escritor Mark Twain tem uma frase genial sobre isso: “Nunca deixei que a escola atrapalhasse a minha educação”

2. Artista institucional ou artista de mercado? Ser um artista representado por galeria comercial não significa necessariamente independência financeira. E o artista que trabalha/expõe institucionalmente nem sempre recebe o retorno de todo o investimento gasto na produção – sem mencionar ganhos além disto. Aliás, neste sentido, trabalhar artisticamente, em geral, não significa ganhos suficientes. O que fazer?

MB: No mundo-linguagem tudo é praticamente escolha e combinação. Na arte e na vida, você colhe o que planta. Arte institucional e arte de mercado estão cada vez mais misturadas e se perpassam. É importante definir exatamente o que significa instituição e mercado. Vejo essa clivagem como algo datado.

3. Até que ponto você precisou de apoio externo para encontrar o fio da meada de seu próprio pensamento artístico, para identificar o caminho de seu processo, para descobrir a questão básica que norteia seu trabalho? A relação ou proximidade com professores, orientadores, curadores, críticos foi fundamental? Foi relevante?

MB: Desde o começo, meu apoio externo veio através do diálogo. A questão básica que norteia meu trabalho é abrangente e mutante. Certamente, a condição humana é uma dessas vertentes. Tive e ainda tenho o maior respeito pelos meus mestres onde estudei e estudo. As minhas maiores influências em linguagem das artes no Brasil foram Hélio Oiticica e Rogério Sganzerla. Conheci o Hélio quando ele voltou de Nova York e Rogério foi um grande amigo. No início de um aprendizado, em qualquer área do conhecimento é fundamental que você tenha apoio de bons professores, exceto se você for um autodidata, mesmo assim, é bom ter algum tipo de orientação externa. A questão é que no campo das artes, há muita gente que devia estar aprendendo em vez de ensinando. Ser um bom mestre em artes independe do número de “canudos acadêmicos” que você tenha, da mesma forma que grandes artistas podem ser péssimos orientadores. No começo é fundamental ser criterioso na escolha de quem orienta o seu trabalho. Nesse sentido, pesquisar e conversar sempre ajuda para uma escolha precisa.

4. E hoje, como você avalia essas relações?

MB: De suma importância

5. A revolução tecnológica na área da comunicação facilitou muito a troca no meio das artes visuais, sempre um ponto importante nesta nossa área de conhecimento. Com a facilitação da distribuição do trabalho e do diálogo entre os envolvidos neste campo do saber, quais as conseqüências desta facilitação para o seu fazer artístico? Muitas frentes abertas podem embolar o caminho e dificultar as escolhas, pois administrar tudo passa a exigir mais tempo, já que são mais contatos, mais opções, mais relações públicas, respostas, e-mails...

MB: Minha relação com a tecnologia reside em utilizar um determinado meio, quando necessário, mas não a tecnologia como um fim em si mesmo. Nunca deixei eventos, e-mails e outras conversas fiadas virtuais atrapalharem o meu trabalho.

6. Como atividades paralelas ao seu próprio fazer artístico, existem praticamente duas áreas: em um lado o vender, distribuir, fazer produção cultural e curadoria para terceiros e de outro lado o ensinar, orientar grupos de estudos, promover oficinas e workshops, intermediar intercâmbios artísticos. A sua área de atuação lhe traz satisfação? No que ela contribui para o seu "ser artista"?

MB: Em tempo atual, os termos arte e artista estão quase exauridos como definição. No entanto, o sistema da arte continua produzindo novas categorias e fingindo que não. Em percurso, são as rupturas em linguagem produzidas pelo imaginário dos artistas que nos encantam e nos fazem pensar. As linguagens estão tão hibridadas e a produção tão interdisciplinar, que é difícil saber se o sujeito produz arte ou ciência, se é artista ou geógrafo. Penso que isso é salutar, territórios movediços e direções cambiantes, obrigam o sujeito-artista a pensar em seu trajeto e produção. Gosto do que faço se não, faria outra coisa.

7. "Antes só do que mal acompanhado" ou "duas cabeças pensam mais e melhor do que uma"? Trabalhar/produzir sozinho ou trabalhar/produzir coletivamente? Atelier ou oficina?

MB: Tenho apreço por trabalhar em parceria quando há empatia e senso de humor, mas também, sinto-me à vontade produzindo sozinho. Meu atelier é onde meu pensamento e corpo estão. Não tenho um espaço específico para trabalhar. Porém, se um projeto específico exigir esse espaço, irei buscá-lo.

8. Em que momento vc descobre que um trabalho está fechado? Amadurecer um trabalho, resolvê-lo, concluir “está pronto” leva tempo. Talvez tempo demais, numa época em que o tempo escoa como areia . Todos fazemos coisas demais, participamos de muitos eventos, muitas exposições... Como vc lida com a questão da necessidade de visibilidade da obra e do artista, que muitas vezes, faz com que um trabalho seja exposto antes de ter sido maturado o tempo necessário?

MB: Sempre considerei o meu trabalho experimental em atitude. Desde cedo, tenho trabalhado com estudos e séries abertas. Nesse sentido, posso revistar e transmutar eventualmente um trabalho produzido há vinte anos. Com meus filmes e vídeos isso já é mais complicado. Agora, quando apresento um trabalho, tenho certeza que ele está pronto para ser visto. Se o artista está muito ocupado com estratégias mirabolantes para alcançar “visibilidade”, com certeza, faltará tempo para se dedicar ao próprio trabalho, o que realmente importa. Hoje, há uma imensurável emulação no campo das artes, os trabalhos denotam isso. Por conseguinte, há muita coisa mal feita que significa o insignificante. Porém, há também coisas maravilhosas. Trabalho dá trabalho, mesmo quando é prazeroso.

9. Quais os momentos mais marcantes da sua carreira, positiva e negativamente falando? Em algum deles você pensou em desistir? O que considera mais importante: os resultados práticos alcançados a cada etapa do percurso ou as experiências adquiridas (transformações do pensamento artístico, entendimento do funcionamento do sistema, amadurecimento do trabalho)? Qual o lugar que deseja e que ainda não ocupa?

MB: Penso que foi participar da vigésima sétima Bienal Internacional de São Paulo em 2006. Não se pode desistir do inexorável. Todas essas etapas da pergunta estão misturadas em meu trabalho. Assim, nada é tão compartimentado e a linha do tempo dos procedimentos é flexível. Em meu trabalho, penso que transitam em ziguezague. As coisas obedecem a certa ordem estrutural, mas há liberdade, inclusive para abandonar um determinado projeto e começar outro inteiramente diferente. O lugar que mais desejo é aqui e agora - morada do extraordinário.

10. Para você, o que “ser artista” significa? Quem é este ser?

MB: Parafraseando Hélio Oiticica e Oswald de Andrade.
A – “Da adversidade vivemos” (HO)
B – “A alegria é a prova dos nove” (OA)

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