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LIVRO ARPOADOR
Author: Steve Berg (2001)

Irão pisar as pedras / e lavá-las com seu sal, / encarneirar-se entre dunas de areia – / ribombar pelo rochedo – / arrebentar – se afastar – encontrar renovada força / se congregar e despejar seu peso sobre a praia. Hilda Doolitle, “Deuses do Mar”, 1916.

Apreciar ARPOADOR como mero livro de fotografias é incorrer em erro crasso, pois sua característica mais impressionante é, precisamente, a maneira através da qual – de forma hábil e inconsútil – Marcos Bonisson entremeia a fotografia com aquilo que elege chamar de “estudos”, os quais facilmente se apresentam como trabalhos de arte plenamente acabados. Tanto os estudos como as fotografias incluem questões de simetria e assimetria, ao mesmo tempo em que a interrelação e a combinação de projetos expostos em estudos e colagens sobre papelão ilustram a elegância formal com a qual o artista articula e transpõe seus elementos em termos topográficos.

Sejam em seus retratos do mar, de rochedos, de uma van em chamas ou do corpo humano em uma miríade de angulações e aparições, adornado com areia ou vestindo uma saia de polvos, evidencia-se uma compreensão magistral de luz e do grão da imagem após a revelação de imagens infalivelmente inesperadas que nos surpreendem a uma só vez não apenas por seu caráter inédito, como por sua misteriosa capacidade de iluminar temas clássicos. Nada é óbvio. Raramente os estados líquidos ou sólidos, exemplificados pela água do mar ou por corpos parados ou em movimento, carregaram tão poderosa carga erótica. As fotografias fluem, refluem, desaguam, arrebentam, chiam, fervilham, borbulham e queimam.

A partir de sua leitura no início dos anos oitenta em Nova Iorque dos textos em cut-up do escritor William Burroughs, Bonisson sugere uma câmara de ecos e de manobras visuais — de uma paisagem marciana a seus empilhamentos de pedras portuguesas que se metamorfoseiam em construções aparentemente megalíticas de mármore claro, ou mesmo de uma arquitetura de escadas que conduz, como todo o resto, ao mar. Através dessas páginas ele se revela tão perfeito desenhista e colorista quanto mestre da fotografia em preto e branco, as lições do modernismo, do neo e do pós-construtivismo de Klee a Oiticica tendo sido aprendidas e filtradas através de vasto repertório de referências culturais e artísticas tão eruditas e diversas quanto sofisticadas e finamente trabalhadas em sua aplicação ao multifacetado projeto em questão.

Por toda parte delineiam-se percursos. A água escorre pela pele, varetas de bambu e barbante negro marcam pontos de uma trajetória sobre a praia em ziguezague e maquetes se tornam, de fato, intervenções; os contornos de poças de água de chuva delineiam-se como que marcando uma cena de crime. a cada direção, a sensibilidade dramática do artista e a inteligência de seu olhar reinventam as pedras e as paisagens marítimas da Praia do Arpoador. Merz. Glaz. Kino. Calor. Frescor. Luz. Marcos Bonisson fotografou o som do mar – matéria dos mitos: Olokum, Cíclope, Ofion, Ogum, Ulisses e Calipso estão aqui presentes.

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